Era como se ele pudesse sentir cada movimento da respiração, carregada de angústias, daquelas pessoas. Dúvidas e preocupações cotidianas, muitas vezes banais e irrelevantes, pairavam naquele ambiente. Em sua concentração, seus sentidos aguçavam-se, permitindo-lhe prever cada reação, cada mexer de dedos, olhar desconfiado, cada franzir de sobrancelhas, cada cruzar e descruzar de pernas. Todos tinham um objetivo comum, naquele momento, mas agiam dentro de universos próprias, microcosmos que não se tocavam. Nesta atmosfera de torpor mental, imaginava como que se, de repente, pudesse reger toda aquela massa de seres de mentes limitadas e sôfregas. Em sua fantasia, ordenava aos seus débeis recrutas que se movessem de um lado para o outro, num simples teste de suas novas possibilidades. Aos poucos os movimentos tornavam-se mais rápidos e desordenados, simulando uma dança patética, onde eles cruzavam olhares, se tocavam, compartilhavam os sentimentos excitados até um quase êxtase, criando uma cena quase onírica, e, nesta insólita situação, iniciava-se um riso compulsivo, soando de uma forma doentia, com os músculos faciais distendidos ao máximo, como se pudessem romper a qualquer momento e, numa reação súbita, talvez de defesa ou reconhecimento da fraqueza e do ridículo de tal situação, um choro profundo ressoava em uníssono, despejando lágrimas em excesso, simbolizando uma espécie de catarse do sofrimento diário.
Pouco depois, ao descer do ônibus, ainda olhou para trás e acenou para o veículo que partia, num gesto de tola identificação com aquelas pessoas que, para ele, lhe deviam por aqueles instantes de desligamento da realidade.
[Marcelo]
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