26.9.02

Líder do Senado diz que Bush faz uso político da guerra contra Iraque

Carl Hulse e Todd S. Purdum
The New York Times
Em Washington (EUA)

Rancores partidários reprimidos em torno da legislação de segurança interna e política em relação ao Iraque vieram à tona na quarta-feira, quando o senador Tom Daschle, o líder da maioria democrata, exigiu um pedido de desculpas do presidente Bush por dizer que os democratas não estavam "interessados na segurança do povo americano".

Em um discurso exaltado no plenário do Senado, Daschle tratou da declaração de Bush na segunda-feira de que o Senado, onde os democratas defendem a proteção dos direitos dos trabalhadores em um novo Departamento de Segurança Interna, "está mais preocupado com interesses especiais em Washington".

Daschle se ofendeu: "Isto é errado. Nós não devemos politizar esta guerra. Nós não devemos politizar a retórica sobre guerra, vida e morte". Ele acrescentou, com sua voz ficando cada vez mais áspera: "Você diz para aqueles que lutaram no Vietnã e na Segunda Guerra Mundial que eles não estão interessados na segurança do povo americano", porque eles são democratas. "Isto é um ultraje".

Os republicanos imediatamente argumentaram que Daschle tinha tirado os comentários do presidente do contexto e que ele é quem estava politizando o debate. A Casa Branca e os republicanos insistiram que as críticas do presidente giravam apenas tratavam da luta em torno das regulamentações trabalhistas que têm emperrado a legislação que cria o novo departamento de segurança interna, e não a política em relação ao Iraque.

O porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, disse que era o "momento de todos os interessados respirarem fundo, pararem de apontar dedos e trabalharem bem juntos".

Membros de ambos os partidos concordaram que a explosão pode frear o esforço para uma resolução conjunta do Congresso autorizando Bush a usar a força no Iraque, assim como a criação do Departamento de Segurança Interna. O progresso no esboço de uma resolução da ONU que daria ao Iraque dois meses para demonstrar disposição em cooperar com os inspetores de armas também foi contido pelas divisões no governo Bush e entre os aliados ocidentais.

Daschle disse que as questões do Iraque e da segurança interna estão interligadas e ele reiterou sua visão na declaração do plenário, no final da tarde de quarta-feira, dizendo que sabia muito bem o contexto da declaração do presidente.

"Que contexto existe que possa legitimar uma acusação destas?" perguntou Daschle. "Se trata de uma politização pura e simples".

O líder republicano no Senado, Trent Lott do Mississippi, desdenhou o discurso de Daschle como estridente e "exagerado". O líder republicano disse ter ficado "profundamente entristecido com o teor e tom" dos comentários de Daschle, e exigiu: "Quem é o inimigo aqui? O presidente dos Estados Unidos ou Saddam Hussein?" Ele acrescentou: "Eu acho que é hora de nos atermos às coisas. Nós temos muito trabalho a fazer".

O líder da minoria na Câmara, Richard A. Gephardt do Missouri, um dos principais democratas que apóiam o governo em relação ao Iraque, disse que a segurança interna e o Iraque fazem parte do "mesmo bloco" de questões, e que os comentários do presidente representavam pelo menos "um esforço implícito, mesmo que não direto, de colocar estas questões no plano político". Ele disse que telefonou para o chefe de gabinete da Casa Branca, Andrew Card, para pedir que a temperatura política fosse reduzida.

O discurso de Daschle ocorreu após o aumento da frustração dos democratas com o fato da política em relação ao Iraque ter se tornado a preocupação predominante entre os eleitores na proximidade das eleições de novembro para o Congresso. Durante semanas muitos democratas buscaram equilibrar o apoio ao presidente Bush em relação ao Iraque e à segurança interna com uma mudança do foco da campanha para os temas básicos de economia, atendimento de saúde e o Seguro Social, nos quais as pesquisas mostram que eles são mais fortes.

Daschle é visto por alguns de seu partido como cooperativo demais com a Casa Branca em relação ao Iraque, e o discurso do ex-vice-presidente Al Gore na segunda-feira, questionando o curso de ação adotado por Bush, aumentou ainda mais a pressão, disseram membros do Partido Democrata. Mas até a quarta-feira os democratas vinham sendo pressionados para mudar o tema sem parecerem fazê-los com fins políticos ou parecerem potencialmente fracos em relação à defesa nacional.

Por sua vez, os republicanos têm se mostrado ávidos em se beneficiarem dos altos índices de aprovação que Bush tem mantido desde os ataques de 11 de setembro e sua campanha contra o terrorismo, desde que não sejam vistos como se estivessem explorando a questão para ganhos políticos.

Dezenas de senadores democratas ficaram animados enquanto Daschle tentava usar as próprias palavras de Bush para argumentar que os republicanos estavam buscando vantagem política com a questão do Iraque.

No seu discurso na manhã de quarta-feira, o geralmente tranqüilo Daschle apontou para o senador Daniel Inouye, democrata do Havaí, um veterano altamente condecorado da Segunda Guerra Mundial que perdeu seu braço direito na Itália.

"Diga ao senador Inouye que ele não está interessado na segurança do povo americano", disse Daschle, que há semanas tem abordado cautelosamente a questão de se o governo tem ou não motivações políticas para enfatizar a necessidade de uma ação contra o Iraque. "Isto precisa parar".

Os assessores de Daschle e outros democratas disseram que seus comentários se originaram de uma raiva genuína em relação aos comentários de Bush. Mas outros senadores sugeriram que os comentários de Daschle refletiam a realidade política aberta por Bush.

"Há um sentimento crescente em nosso partido que ao invés de apenas dizermos sim a tudo o que o presidente deseja, nós precisamos levantar algumas perguntas", disse um democrata. "Eu acho que isto altera a dinâmica na aprovação de qualquer resolução porque ficou mais claro que, para a Casa Branca, o momento político foi ao menos em parte considerado, e os comentários do presidente ultrapassaram a linha. Nós temos que nos preocupar agora em também não atravessá-la".

Tradução: George El Khouri Andolfato

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