19.8.02

16/08/2002 - MUNDO - POLÍTICA

Republicanos divergem de Bush sobre ação contra o Iraque
Para integrantes destacados do partido, o governo não está preparado para a guerra e ainda não conseguiu provar que uma campanha militar é necessária

Importantes republicanos no Congresso, no Departamento de Estado e de governos passados divergem de George W. Bush sobre uma iminente ofensiva contra o Iraque. Entre eles, diz The New York Times, estão o ex-secretário de Estado Henry Kissinger e Brent Scowcroft, que foi conselheiro de segurança nacional de Bush (o pai) e hoje assessora a Casa Branca em questões estratégicas. Para eles, o governo não está preparado para a guerra e ainda não provou que ela é necessária.
Todos se dizem favoráveis à retirada de Saddam do poder, mas estão preocupados com a maneira como o governo está encaminhando a questão ? de uma forma que afasta os aliados, aumenta a instabilidade no Oriente Médio e prejudicando interesses americanos no longo prazo.
O secretário de Estado de Bush, Colin Powell ? que chamou Kissinger para uma reunião na terça-feira passada ?, e seus assessores resolveram concentrar as discussões em como o Iraque seria governado na era pós-Saddam. Não é apenas um esforço para assegurar uma democracia, mas também um modo de contornar a pressão dos falcões do governo pela guerra.
"Para aqueles entre nós que não vêem uma invasão como uma questão de fé, mas apenas como uma opção de política, há um sentimento de que você precisa considerar o que vem depois; a menos que você esteja preparado para isso, não deve começar nada", disse ao jornal um alto funcionário do governo.
Em um artigo no The Wall Street Journal, Brent Scowcroft ? que teve um papel importante na formação da coalizão internacional contra o Iraque na Guerra do Golfo ? alertou que "um ataque contra o Iraque agora comprometeria seriamente ou mesmo destruiria a campanha mundial contra o terrorismo" iniciada pelos EUA depois dos atentados de 11 de setembro. Segundo ele, um ataque americano poderia provocar o Iraque a usar armas químicas ou biológicas, na tentativa de provocar uma guerra entre Israel e o mundo árabe.
Também nesta sexta-feira, um ex-secretário de Estado de Bush (pai), Lawrence S. Eagleburger, disse à rede de TV ABC News que, a menos que Saddam "tenha o dedo no botão para usar uma arma de destruição em massa, e nosso serviço de inteligência tenha certeza disso, não sei por que devemos fazer isso agora, quando nossos aliados são contra".

Reação de republicanos põe em xeque unilateralismo dos EUA
Além de evidenciar disputa de poder entre militaristas e adeptos da diplomacia, críticas a uma guerra imediata mostram preocupação com risco político que ação representaria para Bush

A presença de Brent Scowcroft no coro dos que recomendam cautela no planejamento de uma ofensiva contra Saddam Hussein tem um significado especial para George W. Bush. Afinal, além de dirigir um grupo que assessora a Casa Branca em questões de inteligência estrangeira, Scowcroft era um auxiliar muito próximo de seu pai, que presidiu o país entre 1989 e 1992. Ainda hoje é muito ligado ao ex-presidente. As declarações de republicanos de destaque contra uma campanha militar agora tornam mais evidente a disputa de poder interna no governo Bush entre os militaristas, adeptos do unilateralismo, e aqueles que prefeririam que os EUA valorizassem a diplomacia e trabalhassem em conjunto com seus aliados - uma visão multilateralista que entrou em baixa com a troca de Clinton por Bush na Casa Branca.
Além dessa queda-de-braço, muitos republicanos estão preocupados com o risco político de uma ação americana no Iraque. Em 1991, o pai do atual presidente dos EUA empenhou-se na Guerra do Golfo e, sem conseguir derrubar o ditador Saddam Hussein, perdeu a eleição em 1992 para Clinton. A derrota faz esses republicanos mais cautelosos diante de uma eventual campanha militar na região. Os estrategistas políticos do partido tentam evitar que mais um integrante do clã Bush entre para a história como presidente de um só mandato.
Fica evidente, nas declarações que o The New York Times trouxe a público, a importância que os republicanos contrários a uma ofensiva imediata dão ao rearranjo institucional de um Iraque pós-Saddam. Afinal, mesmo o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld - um dos líderes da ala dos falcões no governo Bush -, reconhece que as tropas americanas terão de permanecer no Afeganistão por muito tempo para evitar que o país caia em nova guerra civil. Lançar uma campanha contra o Iraque abriria uma nova frente, sem que a situação afegã estivesse resolvida.
A declarada intenção de Israel de retaliar um ataque letal que sofresse de Saddam Hussein é mais um argumento usado por Kissinger, Scowcroft e companhia para tentar dissuadir a Casa Branca de atacar agora o Iraque, sem o apoio dos aliados europeus e sem uma definição clara do que fazer no pós-guerra. Espera-se que sejam ouvidos.

[Primeira Leitura]

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