27.6.02

Eu acabei de ler esse e-mail...
Aconselho você a ler também... não apenas ler... mas refletir e tomar uma atitude de gente... uma atitude humana...
você não sabe o quão é importante para essas pessoas um sorriso, um aceno, um olhar de carinho, um abraço verdadeiro, um oi menino(a)!
Eu ja vi muito sorrisos de crianças lá no projeto... elas tem uma condição quase miserável... muitos (quase todos) são subnutridos, mal têm o que comer em casa... tem uma... que a mãe é alcoolatra mas não a mal trata... em compensação o pai espanca a mãe e ela por tabela... ela é traumatizada.. ja falei dela aqui... quando a gente dá um tiquinho de atenção a ela, ela agarra na gente (literalmente) dar um beijo, um abraço apertado... No final do semestre ela ficou chorando porque não teria aula até agosto... e me disse: "Brigada, viu, Tia!" voces nao imaginam o quanto isso é importante para eles... e pra mim... a vou parar de escrever porque já tou quase chorando de saudade das minhas crianças...
Leiam o email!!!


Oi amigos,

Como vocês estão? Tudo bem? Tudo na paz? Que bom. Mas que pena que nem todo mundo está bem.
Na última segunda-feira, dia 24-06-02, mais ou menos 23:30, parei em um sinal que fica na esquina da rua 48 com uma outra rua que não sei o nome mas fica perto do famoso restaurante chinês da 48, no Espinheiro (Recife). Ao parar eu vi um garoto na calçada, aparentando uns 8 anos de idade, magrinho e negro. Baixei o vidro do carro e chamei esse garoto. Não sei seu nome, não lembrei de perguntar isso, mas vou chamá-lo de B em homenagem ao filme que assisti nesse dia no cinema.
B se aproximou do carro, não parecia desconfiado, mas talvez estivesse. Perguntei onde ele mora, ele falou que morava no Alto do Eucalipto. Perguntei onde ele mora agora, ele falou na rua. B é um garoto esperto e apesar de aparentar apenas 8 anos ele tem 12.
Essa é apenas uma de milhares de crianças na mesma situação. Uma estória muito diferente das mostradas nas novelas. Crianças excluídas do convívio social, nas ruas o que se vê são cenas que nem de perto parecem as belas fotos dos cartões postais. Longe das escolas mas perto da universadade da vida. Nas ruas não vão aprender a ler nem escrever, mas vão aprender a sentir raiva daqueles que passam com seus carros, imponentes, apressados, distraídos. Aprenderão a não gostar daqueles que levantam os vidros quando se aproximam, aprenderão a não gostar dos seus pais, que lhes mandam pedir, no miserê, miserentos, miseráveis, com redundância e tudo mais. Pais bêbados ou não, violentos ou não, não importa, as crianças estão lá, queimadas do sol, sofrimento na face, fome no físico, raquíticos.
B me falou que não estuda. Passa o dia nas ruas, e onde mais passaria? Não sei o motivo que o fez sair de casa. Não sei mas faço idéia, talvez tenha sido a violência na sua própria casa. Não pude conversar muito tempo com ele. Perguntei de que horas ele chegava ali, ele me falou que chega no sinal a noite e só sai quando amanhece.
As vezes fico pensando como tem gente que reclama de barriga cheia. Gente que nunca passou necessidades, então não sabe o sofrimento das pessoas que moram nas ruas, não me refiro só as crianças. É triste ver uma pessoa dormindo embaixo de uma marquise, em uma noite chuvosa e fria, fria como nós somos. Isso mesmo. Somos frios. É muito fácil ficar comovido com isso e não fazer nada. É muito fácil dizer que a culpa é dos governantes, que o país tá uma bosta, etc e tal. Muito fácil dizer isso. Atitude de verdade poucas pessoas tomam.
B é mais um. Não é o primeiro e infelizmente não será o último. Soldado das ruas, para muitos ele é um soldado do mal. E está ali, naquela fronteira representada por um semáforo, esperando o inimigo que se aproxima no seu tanque de guerra popular, esportivo, luxuoso ou utilitário. Sua arma? Uma mão estendida, um olhar triste, uma voz fina e um pedido.
A noite estava fria, mas o frio não tirou a simpatia de B. Um garoto que não pode desfrutar da infância. Aquilo que há de mais precioso nas nossas vidas. A infância. Graças a Deus eu tive uma infância boa. Creio que você que está lendo essas linhas também teve. Mas a infância é negada a essas crianças. Crianças que devem levar o pão para casa, não podem brincar. Mal amadas ou não amadas. Mais tarde talvez armadas, bem armadas. Não pensarão duas vezes antes de sujar uma roupa de grife com o sangue "azul" ou não de pessoas que não são culpadas pela sua situação. Pelo menos não diretamente.
Quando a luz verde acendeu falei para B que teria que ir embora, aconselhei-o a voltar pra casa, tentar estudar e sair das ruas. Sei que isso não é fácil pra ele. Não sei o que ele sente, como ele vê o mundo nem o que pensa da vida. Mas sei que é difícil sair das ruas sem ajuda, sem incentivo, sem motivação.
B me deu xau e me agradeceu. Não sei bem o motivo dele ter me agradecido. Pode ter sido por eu ter lhe dado atenção, por ter conversado com ele, por não ter me mantido indiferente, inerte, despreocupado. As vezes pequenas coisas têm um grande efeito. O fato de alguém não ter avançado o sinal àquela hora (como todos estavam fazendo) e ter começado uma conversa com ele pode ter sido muito importante.
Quando fui embora pude ver pelo retrovisor aquela criança voltar para a sua calçada. Seu cantinho. Lar, amargo lar. Se aquele garoto tivesse oportunidade poderia ser um grande físico, médico, advogado, engenheiro ou quem sabe um político honesto. A oportunidade ainda pode bater na sua "porta". Mas sabemos que é difícil, afinal de contas, estamos em Recife, e não em mais um filme fantasioso de Hollywood.
E enquanto estamos torcendo pela Seleção de Felipão, outras crianças com o mesmo destino de B estão nascendo ou sendo feitas. Num país onde quem não tem nem o que comer não se importa em ter meia dúzia de filhos. Mais um retrato da falta de informação e educação.
Mais um gol (contra) do Brasil. Com crianças verdes de fome e amarelas de hepatite.

Abraços pra todos!
Augusto Costa

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