25.2.02

O mundo mudou?
Boris Fausto

Logo após os atentados de 11 de setembro, a grande maioria dos analistas -entre os quais me incluo- tinha a convicção de que o mundo mudara. Hoje, passados mais de cinco meses do episódio devastador, é possível afirmar que o mundo vem mudando significativamente, nos últimos anos, e os atentados são apenas um fator a mais nessa mudança.
No âmbito interno dos Estados Unidos, muita gente denunciou as transgressões às liberdades individuais que o clima de paranóia vem favorecendo. Embora as transgressões continuem existindo, a garantia aos direitos individuais está tão arraigada nas instituições americanas que as denúncias contra elas se multiplicam. Basta lembrar as reações que a ampliação dos poderes dos tribunais militares provocou, mesmo em círculos conservadores dos Estados Unidos, e o vazamento deliberado da tentativa do Pentágono de inventar notícias favoráveis à imagem do país no exterior.
Mas o percurso do governo Bush mudou. Eleito da forma como foi, responsável por decisões controvertidas, com apoio insuficiente no Congresso, Bush estava destinado ao declínio e talvez a não se reeleger. Os atentados foram para ele um presente do céu. O patriotismo, esse sentimento tão forte no povo americano, tomou conta do país. Habilmente explorado, produziu a conhecida reviravolta do prestígio de Bush e dos republicanos.
E o escândalo da Enron? Nesse ponto, convém ser prudente. O escândalo envolve uma ampla discussão sobre o controle do poder das grandes corporações, e seus efeitos políticos serão significativos, se tivermos em conta as relações íntimas entre a empresa falida e o então candidato republicano. Convém também prestar atenção no tema do financiamento privado dos partidos -no fundo, dos candidatos-, em que Bush manobra num equilíbrio precário.
No plano das relações internacionais, o multilateralismo, passada a hora do desespero e da busca de aliados, não está se confirmando. Mesmo sem ignorar a existência de outras forças -o que o leva a não se precipitar no ataque ao "eixo do mal"-, o governo Bush anuncia o prolongamento da guerra ao infinito e volta a adotar, com todas as letras, a política do "quem não está comigo está contra mim".
Um exemplo eloquente de manutenção e agravamento de uma situação anterior ao 11 de setembro ocorre no Oriente Médio. Depois de considerar a hipótese de desativar a bomba representada pela política israelense, Bush caiu nos braços de Sharon; ou seja, Bush voltou a ser Bush e Sharon continuou a ser o personagem odioso de sempre. A reação desproporcional às ações terroristas continuou, e o cerco a Arafat converteu em vítima, e quem sabe em mártir, o discutível líder palestino.
Esse me parece ser o instantâneo aproximado do mundo, alguns meses após o atentado de 11 de setembro. Mas, se o calor da hora não era o melhor momento para apreciarmos as consequências do episódio, uns poucos meses não nos deixam em posição confortável. Uma escalada guerreira por parte do governo americano -hipótese bastante provável- ou novos atentados de impacto terão repercussões difíceis de prever.

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