9.10.03

O Mesmo Quarto

O Mesmo Quarto

Teve um dia normal, bastante agitado, não teve tempo nem de ligar para sua mãe. Chegou em casa super cansada, foi tomar uma ducha para relaxar e ver o jornal da noite.
Enquanto preparava um jantar (que se sua mãe visse, diria: "se você não comer 'comida de verdade' vai ter uma fraqueza!") ia escutando as mensagens da secretária eletrônica. Comeu seu "jantar" e foi ler alguma coisa, deitou-se e dormiu, nem se quer embolou na cama (o que era raro).
Abriu os olhos. Que estranho! Tinha um homem deitado em sua cama.
Dormia como um anjo. De lado, voltado para ela. Tinha sobrancelhas nem finas nem grossas, bem desenhadas. Estava de olhos fechados, mas dava para notar que tinha os olhos meio puxados. Analisou todo o rosto dele detalhadamente.
A cama era a sua. O quarto era o seu. Mas aquele rosto não lhe era estranho. Sentiu uma vontade de tocar, mas exitou. O cheiro, ela com toda certeza conhecia aquele cheiro, não era perfume que se usa, e sim perfume que se tem.

***

Seu dia foi terrível. Sabe um dia que você tem a sensação de estar tendo um pesadelo? Pronto, foi exatamente isso que ele pensou. Brigou com seu melhor amigo por besteira, seu chefe não lhe deu tempo nem para respirar, até o síndico resolveu discutir um problema idiota e levou ninguém a lugar nenhum, como já se era de esperar.
Entrou no apartamento, jogou as chaves junto com a carteira em cima do puff da sala. Tirou os sapatos, desabotoou a camisa e a calça, tudo parecia lhe sufocar. Pegou um prato congelo no freezer e pôs no microondas, nem sabia o que era. Na verdade nem queria comer, só queria que esse dia acabasse logo.
Enquanto o microondas descobria que prato era aquele, ele foi tomar um banho quente, mas o chuveiro resolveu não funcionar, ele teve que tomar frio mesmo. Terminado o banho (achou até bom a água estar fria, pois esfriou a cabeça), ligou a tevê num canal de esportes, e enquanto comia uma lasanha de frango com queijo via um jogo de basquete.
Terminou de ver o jogo na cama, na verdade dormiu antes de terminar.
Abriu os olhos. Ahn?! Tinha uma mulher na sua cama, mas quando ele foi dormir só havia ele naquele lugar, como podia? Ela estava acordada, olhando assustada para ele. Parecia estar cheirando algo. O olhar dela parecia com o de alguém conhecido, mas de quem?
Ambos acordados, se entreolhavam, sabiam que se conheciam, mas de onde? Tentavam entender a situação: como podia aquela pessoa estar ali em seu quarto? E quem exatamente era? Por que estava ali?
De repente os dois lembraram-se ao mesmo tempo um do outro. Tinham sido namorados. "Mas como ele está aqui agora?" "Como ela veio parar na minha cama?" Tentaram falar, mas a voz não saiu.
Ele, obedecendo a um impulso, levou sua mão ao encontro da dela, fez um carinho naquela mão macia, como que lembrando um momento especial. Levou a mão dela até sua boca e deu-lhe um beijo suave, como que pedindo desculpas por algo do passado.
Ambos reviram, como em um filme projetado na memória, várias imagens dos dois juntos. Churrascos da turminha, jantares nos restaurantes, passeios nas praias, viagens, caminhando de mãos dadas, aquele natal, dia dos namorados, surpresas tão gostosas, depois as brigas, decepções, o carinho acabando, a confiança também, telefones desligados com raiva, lágrimas de ambos os lados, a dor de ter acabado tudo, o medo de não serem mais felizes, de não encontrarem mais ninguém.
Ela quis dizer que sentia falta dele, ele quis pedir para ela não o deixar mais, mas ambos permaneceram em silêncio. Ela começou a contornar o rosto dele com sua mão, como que reconhecendo cada centímetro e decorando os novos traços. Ele fechou os olhos para sentir melhor aqueles dedos percorrendo sua face, seus cabelos.
Tiveram vontade de que aquele momento fosse imortalizado, que o tempo parasse, que eles ficassem o resto da vida ali. Não sabiam porque estavam ali, porque o outro estava ali, mas não queriam que aquilo acabasse, nem que o outro fosse embora.
Os olhos dela continuavam lindos, e expressivos como antes. Ela era bonita, mas agora sua beleza era mais madura, apesar de não parecer ter envelhecido. Ele mergulhou nos olhos dela, pôs a mão na parte posterior do pescoço dela, e começou a se aproxima de sua boca lentamente. Ela fechou os olhos, sentiu o calor da boca dele se aproximando. Abriu os olhos, um vento frio entrava pela janela, levantou-se e fechou-a. Ele abriu os olhos, ela não estava mais lá.
"Droga, era só um sonho!" ambos pensaram. Quiseram voltar para onde estavam, mas não conseguiram.

Suzana Ferreira
04.2002

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