13.11.09

Anjo

— Alô, Lua? Ta... Oi Lua! Você ligou pra mim? Diz.. Hann... certo... sei, sei... não... é... eitha, e aí? ... Amanhã? Poxa posso não... te contei não? Tou indo pra Garanhuns, pro festival de inverno. Vamos? Unche, que nada, fica lá na casa da minha tia! Boraaa! Lógico que ele vai! Ele não perde um! Deixa de besteira! Ele não vai ficar na mesma casa que eu não... é... não acredito que tu não vai só por isso! Deixa de ser besta!! Poxa, fiquei chateada!... não... tudo bem... da próxima você não me escapa! Sim, mas conte as novidades... – e continuaram conversando.
Letícia e Lua eram amigas desde o jardim da infância, se falavam quase todos os dias, mas mesmo assim conseguiam sempre ter novidades, e passavam horas conversando. Letícia estava namorando Carlos, havia 3 meses, e se davam super bem, nunca haviam brigado, sempre estavam juntos e respeitavam um o outro. Lua não ia muito com a cara dele, mas se ele tornava a amiga feliz, “para quê falar isso para ela?”
Era a primeira vez que Letícia ia para o festival, e também era a primeira vez que iria passar uma semana inteirinha com seu namorado. Estava super feliz por isso.
Carlos chegou um dia antes dela a cidade. Combinaram que quando ela chegasse ligaria para ele, para saírem para ver a cidade e matar a saudade.
— Carlos? Oi paixão! Cheguei! De que horas? Ah ta... então mais tarde a gente se encontra... não... tem bronca não... Sério, eu já disse... não tem problema... lógico que espero você... tou com saudades!! Tá certo então. Beijinhos! Tchau. — e desligou. Mas ficou sentindo que algo não estava bem, achou a voz dele muito estranha: “Ah, bobagem, deve ser minhoca da minha cabeça...”.
Pegou um táxi e foi para a casa da tia.
— Oi Cláudia, oi Mirtis, Oi Bruno! E aí Jorginho, estudando muito! Olá pessoal!... Dudaaaa! Como está a coisa mais safada dessa casa??? Não Duda, não!! Pare!!! Nãooooo... Dudaaaa... não me lamba!! Eu já disse pra parar! Sua cadela danada!! Me sujou todaaa!! Oi tia! Tudo bom? Deixa eu ir logo me limpar... já já falo com vocês...
Fazia um ano, ou mais que não visitava a tia. Essa tia era solteira, morava sozinha com Duda, uma poodle muito sapeca. A casa era grande, por isso todos os anos os primos iam para lá no festival, e levavam seus amigos sem problemas. Esse ano estavam três pessoas extra na casa, além da família.
Após o lanche da tarde foram todos para o parque, ver um show de MPB. Chovia um pouco, e fazia bastante frio. Letícia não conseguia parar de pensar em como seria ótimo se Carlos estivesse ali com ela, para se aquecerem.
A noite chegou, e Carlos apareceu. Estava muito estranho mesmo.
— Paixão! Tava morta de saudades! Vem cá... — e foi dar-lhe um beijo como de costume, mas ele desviou.
— Precisamos conversar...
— ok... Fale.. o que houve?
— Lê, eu te adoro!...
Ela baixou a cabeça e ele continuou:
— Você é muito especial, esse tempo que estivemos juntos foi maravilhoso... Você é super gatinha, muito carinhosa, muito compreensiva...
— Mas você não quer mais namorar comigo, não é isso? — ela disse com um sorriso irônico no rosto.
— Eu gosto muito de você, muito mesmo, mas agora percebi que esse gostar é amizade, gosto de você como amiga...
— Tá bom... tudo bem... eu já conheço esse texto... só queria saber se você notou que sou sirvo pra você como amiga de ontem pra hoje... eu acho que não! Você poderia ter me preparado para isso, poderia ter me dado um toque. Por que não me falou o que estava se passando com você? Eu vim pra cá, tínhamos planejado mil coisas para fazermos juntos, agora não tem sentido para eu ficar aqui... todos os lugares que for pensarei como seria se você não soubesse que sou apenas uma amiga pra você... pra mim a diversão acabou aqui. Ou melhor, nem começou... volto para Recife amanhã mesmo!
— A gente não precisa acabar a amizade...
— Concordo, mas não posso trocar tão facilmente o que sinto por você por uma simples amizade... você sabe exatamente o que sinto por você, e eu não tenho dúvidas quanto a isso. Vou precisar de um tempo para lhe ver com outra e não sentir vontade de matá-la... ... sabe, eu sempre quis mais, e sempre te dei mais, e agora você me pede para te dar menos, bem menos... isso pra mim não é tão fácil assim... Agora, por favor, vai embora! — disse isso com suas últimas energias.
— Não quero que fique com raiva de mim...
— Tarde demais... Vai logo!!!
E ele foi. Ela entrou, passou direto para o quarto e caiu no pranto. Ninguém havia notado que ela tinha entrado lá, nem como ela estava triste, apenas Duda, que a acompanhou... Deixou a luz do quarto apagada, não queria que soubessem que estava ali. Não queria que a vissem chorando.
Depois de tomar banho, um dos amigos do primo dela foi se vestir no quarto onde ela estava. Ele não notou sua presença até acender a luz.
— Desculpe, não sabia que tinha alguém aqui... você está bem? O que houve? Ô essa menina, não chora não! Fala comigo!! Tá sentindo dor? Faz assim não... não choraaaa!! Já sei! foi o namorado, não foi? Só pode ser... poxa, me diz quem te deixou assim!! Foi Bruno né? Tu és namorada dele, né?
Ela balançou a cabeça negativamente. “Sou prima dele” falou isso quase que sem falar...
— Olha só, vou te dizer uma coisa... você não deve ficar assim tristinha não... fique muito feliz... você não perdeu nada, tenho certeza... quem perdeu foi ele... Nenhum homem merece uma lagrima sua. Pára de chorar!... Uuuui... Olha pra mim... — e se levantou — eu aqui, enrolado nessa toalha molhada e fria, morrendo de frio, tentando te fazer parar de chorar... em consideração a esse sacrifício meu você poderia pelo menos parar de chorar por 3 minutinhos né? Me conta o que houve...
Ela olhou para ele, sorriu, e enxugou um pouco as lágrimas.
— Vai se trocar menino, se não tu gripas! Pode se trocar aí mesmo, eu não me importo, juro que não olho...
— Tá certo... — e se virou de costas e começou a se vestir — se você olhar vai parar de chorar rapidinho... vai começar a rir um bocado! Tenho certeza!! E vai esquecer esse talzinho aí...
Ela deu uma risadinha discreta...
Depois de se vestir ele sentou ao lado dela, ela já parecia mais calma.
— Pronto, agora estou melhor, e você?
— Não sei...
— Como não sabe? Lógico que está! Eu tou vendo! Você já jantou?
— Já!
— Tenho chocolate aqui, quer?
— Eu adoro chocolate, mas não estou com vontade agora não, obrigada.
— Poxa... mas chocolate é tão gostoso, né?
— É... Olha, acho melhor você ir... o pessoal já tá se arrumando, jaja vão embora e te deixam aqui...
— Vamos lá então! É a primeira vez que venho aqui... tou dando trabalho para tua tia...
— Tá nada... ela gosta de receber visitas... e todo mundo aqui cuida de si... ninguém aqui precisa de babá mais, então não dá trabalho... Olha, o pessoal tá saindo...
— Vamos! — e a puxou pela mão.
— Não vou hoje, não... vou aproveitar pra arrumar minha mala...
— Unche! Chegasse quando?
— Hoje.
— E vais embora quando?
— Amanhã.
— Unche! Veio aqui só passar a noite?
— Não! Vim pra passar os dez dias, mas não tou muito a fim de ficar mais não...
— Por que?
— Tou um pouco triste demais para encarar um festival...
— Desculpa interromper, mas se vocês vão com a gente, já tamos indo...
— A gente já vai... Você conhece aqui? Sabe chegar lá no show?
— Sei não... venho aqui com meus pais, não sei andar sozinha não... já disse... vai com eles... eu não vou!
— Por favor!! Vamos!!! Sua tia sabe que tá pensando em ir amanhã?
— Não!
— Então vou contar a ela, tenho certeza que ela não vai deixar você sair assim daqui!
— Não faz isso, por favor!
— Então deixe de coisa, vamos logo! Você já tá até pronta! Esse casaco é seu não é?
— É sim, mas...
— Mas nada! Vamos! E vamos logo, se não vamos nos perder! — e a puxou pelo braço e ela foi...
No caminho ele ficou tentando alegrá-la. Sempre fazendo palhaçadas, contando piadas, arrancando sorrisos com brincadeiras bobas. Ao chegarem na praça de eventos ela avistou logo uma amiga do colégio, e foi cumprimentá-la.
— Tatiiiii! Quanto tempo ein! Como estas?
— Lêêêê! Tou bem... e você?
— É né...
— Cara, sempre soube que tu tinhas bom gosto, mas esse teu namorado é super gatinho...
— Que namorado?? Meu namoro acabou hoje... tou arrasada aqui...
— Unche, e como é que tu acaba o namoro e ainda fica assim pertinho do ex sem dar chilique... se fosse comigo...
— Tas doida mulé??? Esse não é meu namorado não!!
— Oi, eu sou um amigo dela... Desculpe me meter assim na conversa, mas não pude deixar de perceber que falavam de mim...
— É, esse é o ...
— Gabriel.
— Unche, como é isso... ele é teu amigo e tu nem sabe o nome? Que história mal contada! Já escalou outro foi?
— É que nos conhecemos há pouco tempo, ainda não tínhamos nos apresentado... ele é amigo do meu primo... e não quero saber de homem por um bom tempo!
— Então me deixe apresentar vocês: Gabriel, essa é a Letícia, ela tá solteira viu! — deu uma risadinha — Letícia, esse é o Gabriel... parece ser um bom carinha...
Ele apertou a mão dela e deu dois beijinhos na face.
— Pronto! Eitha, começou o show... vou lá pra frente, vocês vêm?
— Não... agora não... vou tomar um chocolate... mais tarde a gente se vê... Divirta-se por nós duas!!
— Já que você manda... eu obedeço! Fui!
Os dois novos amigos se dirigiram ao chocolate e ficaram olhando o show de longe e conversando, rindo, se conhecendo. Hora de voltar para casa...
— Nossa, o tempo voou!
— Foi mesmo! Sabe, adorei ter passado essa noite conversando com você! Você até me fez parar de pensar no Carlos, no que ele me disse...
— Esse cara não te fez bem... Deixa ele de lado!
— É exatamente por isso que estou indo embora amanha... tudo aqui me lembra as coisas que conversamos...
— Vá não! Mostre pra esse bobo que você não tá nem aí pra ele... não deixe ele acabar com esses seus dias de lazer... fique aqui e mostre que mesmo ele fazendo o que fez não vai conseguir te derrubar... não deixe ele ver que te deixou triste, te abalou...
— Não sei...
— Se não sabe, eu sei! você vai ficar! E amanha vamos acordar cedinho para ver as coisas, e conhecer a cidade! Pronto! Decidido!
— Você é maluco sabia?
— Sabia... tenho até atestado!
Ela riu. Chegaram em casa, foram dormir logo para acordar cedo no outro dia. E acordaram. Quando Letícia acordou, Gabriel já tinha tomado banho, comido algo e estava assistindo tv esperando ela acordar e se ajeitar. Quando ela ficou pronta, saíram.
Como não tinham marcado nada para conhecer, tudo era bem vindo. Andaram bastante, conheceram muitas coisas, conversaram bastante também. Estavam sempre juntos. Como estavam sempre juntos, Bruno começou a tirar onda com a cara dos dois:
— Gabriel, toma cuidado! O namorado dela é um gigante... com um sopro te quebra todim!
— Primeiro: eu não tenho medo de gigante! Segundo: ele não vai me quebrar não!
— Bruno, deixa de ser besta! Tem nada a ver isso! E eu não tenho namorado mais!
— Ah... Então tá explicado! É por isso que tu num tá com medo dele né Gabriel?
Todos riram... Ficou um clima de desconfiança no ar. Essa amizade estava muito estranha.
Os dias foram passando, e os amigos se divertindo, conhecendo a cidade, curtindo os shows e atrações. No quarto dia do festival decidiram por ficar em casa: Gabriel estava meio gripado, e Letícia preferiu ficar para ver um filme na tv. Os dois passaram a noite vendo tv, brincando e tomando chocolate quente feito por Letícia. Ela dizia que acrescentado uma porção mágica no chocolate que faria o amigo melhorar logo. Acabaram dormindo na sala mesmo, na frente da tv.
No último dia, eles estavam em clima de adeus. Apesar de morar na mesma cidade, eles agiam como se morassem em outro país.
Após o almoço, Letícia chamou-o para o jardim e lhe entregou um bilhetinho:
“Gabriel, Muito obrigada por me ajudar a superar esse momento. Esses dias foram ótimos! Obrigada por não me deixar ir embora naquele dia. Adorei te conhecer. Beijo. Letícia”.
Ele leu, arrancou uma florzinha do jardim:
— Você me pegou de surpresa! Isso pareceu um adeus. Mas não quero que você desapareça. Podemos continuar amigos quando voltarmos a Recife. — e entregou-lhe a flor.
— É lógico que vamos continuar amigos!! Só queria mesmo te agradecer. Você foi super legal!
— Não tem de que agradecer. Você é que é demais.
Durante a noite, no último show, Letícia, que estava sorrindo, ficou séria de repente.
— O que foi?
— Carlos!
— Esquece ele.. Deixa ele pra lá! — e a puxou pela cintura e a beijou.
— Por que fez isso?
— Porque gosto de você, e quero namorar você. Não vou te magoar como esse aí... — ele nem terminou de falar e ela o beijou.

...
— Lua, voltei! Tenho novidades!! Carlos? Que Carlos? Unche é passado... Agora tou com um anjo... Um verdadeiro anjo que apareceu na minha vida! ...É!!! ... Gabriel... Ah... Mil vezes melhor que Carlos!... ... ...




Suzana Ferreira
08/09/2001

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