13.11.09

"A melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo"

Antes de começar esse outro texto que escrevi em 2002, preciso dizer uma coisa...
Nessa maratona de re-encontrar meus textos cheios de poeira e mofo virtual, eu percebi que muitas coisas que eu escrevi tinham alguma relação de nomes, ou mesmo fatos, ou mesmo pensamentos que vivo hoje... E o detalhe é que na época não existiam essas pessoas na minha vida...

Lá vai então mais um texto escrito por mim...

Bom proveito!

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“A melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo”

— É, você pode dizer hoje isso, mas tenho certeza que você vir aquela carinha linda, aquele ser frágil, que ele ou ela agarrar teu dedo mindinho, e tu vir o quão miudinha é a mãozinha daquele ser... Você vai cair de amores...
— Vou não menina! Esses joelhos são todos iguais... Parecem um E.T., vê que bicho estranho, sem cabelo, sem dente, todo mole...
— Ah, você ainda vai pagar essa língua...
E continuaram discutindo sobre bebês. Ele dizia que achava difícil ter filhos, não gostava de bebês. Ela sempre sonhou tem tê-los, não via a hora. Sempre que tocavam nesse assunto se discutiam.
— Eu quero pelo menos dois, mas prefiro quatro...
— E eu nenhum!
— Então ta bom, vou ter com o urso...
— Tenha, problema seu... — ele olha pro chão, volta a olhá-la, toma ar — você acha mesmo que a gente vai viver junto?
— Eu tenho certeza! Desde o dia que te conheci soube disso. Você é que fica me jogando de lado, que não me vê como mulher...
— Quem lhe disse que eu não lhe vejo como mulher?
— Sei lá, pode até ver, mas não deseja... Ainda!
Ele deu uma gargalhada... Ela sorriu. Eles eram amigos havia alguns anos, já tinham ficado, coisa que ele se arrependia, pois se antes ela o tentava, agora era pior.
O tempo passou, os dois continuavam amigos, mas ele não queria mais envolvimento amoroso, e ela não deixava de tentar. Muitas coisas aconteceram, arrumaram namorados, acabaram namoros. Até que ela começou a namorar sério, passaram-se alguns anos, e um dia ela liga toda eufórica pra ele:
— Quero que você seja meu padrinho!
— Ué, tu num é batizada, não?
— Ô seu leso, tou falando de casamento!
— Como é? Tu vai casar? Na Igreja?
— Vou sim, por que?
— Nera você quem dizia que nunca ia casar na Igreja se não fosse comigo?
— Era, mas você não me quis... Vou tentar com outro...
— Quer dizer que você não me quer mais?
— Ô menino, é lógico que te quero, como você me quer. Você num me quer como amiga?
— Quero...
— Então!? Casar não vai me afastar de você!
— Sei não, esse teu namorado é ciumento, não sei se ele vai gostar muito da nossa amizade. Sem falar que certas brincadeiras vão ter que acabar... Muita coisa vai mudar entre a gente...
— É, eu sei...
— Por que tu vai casar?
— Rapaz... Eu gosto dele, ele gosta de mim... A gente quer viver junto, se não der certo separa... Mas acho que a gente vai se dar bem...
— Então tudo aquilo que você dizia era enrolação pra cima de mim?
— Não! Mas cansei de tentar algo que você diz impossível de eu conseguir ter...
— Poxa, tou me sentindo traído!
— Por que?
— Sei lá... Num sei porque, mas não gostei dessa notícia, eu acho que a gente não vai mais ser amigos...
— Poxa, não diz isso...
— Você tá feliz?
— Tava... Agora não tou mais...
— Vai adiantar eu te pedir para adiar o casamento?
— Ô menino, ainda faltam uns seis meses, no mínimo... Só liguei para ti convidar... A gente decidiu isso ontem... Pensei logo em você como meu padrinho...
— Pelo menos vou ter um tempo pra me acostumar a não ter você mais por perto...
— Não faz isso comigo!
— Lala, eu não quero te perder!
— Mas você não vai me perder!
— Vou sim, você nunca mais será minha!
— Agora eu não tou te entendendo...
— Ah, não é pra entender! Espera, não sai de casa, tou indo praí...
Desligou o telefone, pegou o carro, em dez minutos chegou lá. Tocou a campainha apressado, a colega de apartamento avisou que ela estava no quarto. Ele já entrou dizendo:
— Lala, não casa!
— Mas menino, porque eu não casaria?
— Porque você me ama!
Ela riu.
— Como é? Eu passo metade da minha vida correndo atrás de você, e você me dizendo que só me quer como amiga... E agora você vem me dizer que eu não posso me casar porque você resolveu reconhecer que eu te amo? É isso que você tá querendo dizer??
Ele sentou, segurou suas mãos, respirou fundo olhando para baixo, levantou os olhos e disse:
— Eu estou com medo de perder você. Na hora que você me ligou dizendo isso... Sei não... Comecei a perceber que não ia ti ter ao meu lado sempre, que esse cara pode separar a gente... E quando você tiver filhos... Vai ficar cada vez mais distante de mim... Eu quero você sempre perto de mim...
— Você está sendo egoísta!
— Diz pra mim que é mentira! Que você disse isso só pra me lembrar que um dia posso te perder...
— Mas você vai me perder um dia, não por causa de casamento, mas mesmo que eu nunca case um dia vou morrer... E isso num tem como evitar...
— Mas é mentira né?
— O que você acha? — e mostrou a mão direita com uma aliança no dedo anelar.
— Eu não vou ser seu padrinho! Não posso fazer isso...
— Poxa, mas eu queria tanto...
— E eu queria ser o noivo...

Ele a puxa pela cintura e a beija. Ela o empurra.
— O que é isso!?!
— Eu te amo!
— Por que você me beijou?
— Eu te amo!
— Você não tem o direito de brincar assim comigo!
— Eu não estou brincando! Eu te amo!
— Pára com isso!
— EU TE AMO! — e a beijou novamente
— Tá louco é?
— Tou, louquinho! E se entrar na Igreja para casar com ele eu vou ficar mais louco ainda!
— Ah é? E vai fazer o que?
— Ti seqüestrar!
— Mas agora deu...
— Por favor, Laurinha, não casa com ele!
— Menino, não é assim... Passei muito tempo pensando se deveria ou não casar, não vou desistir só porque você quer...
— Eu tenho certeza que você não tem tanta vontade assim de passar o resto da sua vida com ele...
— Pára com isso!
— Eu num tou dizendo!
— Você não tá dizendo nada!
— Poxa Laurinha, você é a única pessoa que conseguiu entrar na minha muralha...
— Ah rá! Agora você admite que eu consegui, né?
— Você sabe que conseguiu... Não me rejeita... Não é hora de devolver com a mesma moeda... Lala, tu ama ele?
— Amo!
— Mesmo?
— Mesmo!
— E você me ama?
— Por que isso agora?
— Responda!
— Não vou responder!
— Então isso quer dizer que sim!
— Não! Isso quer dizer que eu não vou responder!
— Se ele dissesse que você nunca mais iria me ver ou falar comigo, o que você faria?
— Ele não vai fazer isso...
— E se fizer?
— Ah, aí eu digo que ele não pode mandar na minha vida...
— E se ele insistir? Você se separa?
— Ah, sei lá...
— Liga pra ele aí...
— Pra que?
— Quero falar com ele...
— Pra que?
— Eu quero dizer a ele que eu te amo e não vou deixar você casar com ele...

Ela pegou o telefone e já estava discando (só que para um número diferente). Ele a segurou pelo braço e fez sinal para ela parar.
— O que foi agora? Desistiu foi?
— Não... É que antes eu quero saber uma coisa — respirou, engoliu a saliva — você acha que vai ser feliz com ele?
— Se eu não achasse não teria decidido casar...
— Ah rá! Te peguei!!
— Han?
— Lembra o que você vivia me dizendo? Que você tinha CERTEZA que seria feliz ao meu lado, e eu ao seu. Lembra?
— Lembro...
— Era mentira?
— Não...
Ele tenta beijá-la novamente, mas ela consegue escapar. Dirige-se à porta, abre-a e pede:
— Vai embora, por favor...
— Só se você me der um motivo...
— Você fala isso tudo, me deixa confusa, parece que tá brincando comigo... — começa a chorar.
— Laura, eu não estou brincando. Só agora percebi o quanto quero você ao meu lado. Eu não tinha me dado conta que você tava se envolvendo tanto assim com esse cara... Sempre senti uma pontinha de ciúmes, mas eu me dizia que era bobagem. Mas agora tudo mudou. Você vai casar, e não é comigo. Como posso ter você junto a mim se você vai viver com outro? Ter filhos com outro? Tudo com o outro! Você quer mesmo ter filhos com ele?
— Pare de me perguntar essas coisas!
— Vem cá, vem...
— Vou não! Você tá querendo me deixar louca...
Ele se levantou, a abraçou, levou umas tapas no peito, a abraçou mais forte e a viu chorar novamente. Chorou tanto que molhou a camisa dele. Sentou-se novamente, recostando-se no sofá e serviu de travesseiro para ela. Ficou fazendo carinho nos cabelos dela até que ela dormiu, com o rosto cheio de lágrimas.
Ficou pensando em como tudo ia ser se ela mudasse de idéia e casasse com ele. Quando ela acordou ele contou:
— Enquanto tu dormia, eu fiquei pensando em como vão ser nossos filhos.
— Como é?
— Sim nossos filhos, um menino e uma menina...
— Mas você não queria filhos!
— Se você for a mãe eu quero. Mas se eles vierem chorando pro meu lado eu jogo pra você...
— Eu não sei...
— Não sabe o que?
— Num sei... — olhou bem pra ele — Agora você vai me deixar sozinha.
— Não!
— Eu preciso pensar! Por favor!
— Mas não vou sair daqui sem escutar que você vai desistir desse negócio...
— Pois pode ficar aí! — saiu da sala e trancou a porta do quarto.
Quando estava no banheiro, dentro do quarto, escutou um estrondo, olhou para trás... A porta estava no chão...
— Sai de perto de mim! Você está descontrolado!
— Eu nunca lhe machucaria! Você sabe disso! Derrubei a porta porque você trancou, eu conserto depois...
— Não precisa! Vai embora, por favor! Isso que você tá fazendo não está ajudando a me convencer... Por favor, me deixa sozinha...
— Bora fazer uma coisa: você vem comigo, eu quero te levar a um lugar, depois te deixo em paz...
— Pra onde ‘cê vai me levar?
— Quando a gente chegar lá você vai saber...
— E depois você jura que me deixa sozinha?
— Só se você ainda quiser isso...
— Tá bom então, eu vou...
Entraram no carro. Ele começou a dirigir na direção da saída norte da cidade.
— Pra onde ‘cê tá me levando?
— Um lugar muito especial pra mim... Sempre que estou com um problema e não sei como resolver, eu vou lá... Me trás boas lembranças, uma paz de espírito... Pode ser que lhe ajude também...
— Só uma perguntinha... Em que cidade é isso?
— Onde eu morei antes de vim pra cá?
— Não acredito! — pegou o celular, ligou para alguém — Alou? Ó, não vou poder te ver hoje... Não, tá tudo bem... Não, não estou doente, tou indo viajar... É... Emergência... Não... Não... É a trabalho... Tá certo... Hum rum... Porque não dá... É... Você sabe... Pode deixar... Fique tranqüilo... Tchau. — e desligou
— Ligasse pra ele, num foi?
— Foi...
— E por que você disse que era a trabalho?
— Não tem porque deixar ele preocupado...
Ligaram o som do carro e foram conversando sobre assuntos neutros, como se nada tivesse acontecido. Chegaram na Ponta do Seixas.
— Você lembra quando a gente veio aqui?
— Tenho como esquecer?
— Tu sentou aqui, ficou com medo de cair, me agarrou pelo pescoço, ficamos uns quinze minutos aqui. Nunca esqueci...
— É, tou vendo...
— Vem cá... — e a pôs no braço, e a sentou no parapeito.
— Por que você tá fazendo isso comigo?
— Eu só quero que você perceba, o que já disse. Quer que eu repita?
— Não! ... Me dá tua mão... Sem maldade viu! — ela levou a mão dele até em cima do peito esquerdo dela, afim de que sentisse o coração pulsando acelerado.
— Tu tá com medo?
— Tou, deixa eu descer...
— Pow, fica mais um pouquinho...
— Por que?
— Só pra ti ter nos meus braços um pouquinho... — olhou bem pra ela — afinal não sei qual vai ser a tua resposta... Essa pode ser a ultima vez que te abraço assim...
— Ô Eduardo, por que tu tas fazendo esse drama todo? Você sabe que casar não é morrer, eu vou continuar sua amiga...
— Quem garante?
— Eu!
— Nada vai continuar como antes...
— Vai sim!
— Doce ilusão... Esse cara não vai gostar do jeito da gente se tratar, nenhum homem gosta...
— Você tá dizendo que se você casasse e sua mulher tivesse um amigo você iria proibi-la de vê-lo?
— Não, proibir não, eu só ia deixar claro que não gostava disso tudo...
— Mas ele não vai fazer isso...
— Você quer pagar pra ver?
— Deixa de ser bobo! Tas parecendo criança!
— O que eu posso fazer pra você acreditar em mim?... Poxa Lala, até um dia desses tu dizia que eu era o homem da tua vida... Mudou de idéia?
— Tudo que eu sempre quis foi ouvir isso, mas não agora... Eu esperei tempo demais... Você me pôs de molho... Desisti...
— Poxa, desiste não... Me dá mais uma chance!?!
— Me deixe pensar... Quando eu assimilar tudo que aconteceu hoje eu lhe dou uma resposta...
— Tá certo... — ficaram em silencio, apreciando a paisagem por um tempo.
— Vamos voltar pra casa?
— Certo, mas antes vou dar um beijo nos meus pais...
Na antiga casa dele, ele mostrou além de todas as cartas que ela havia mandado, algumas fotografias e uma caneca que ela tinha mandado de presente com fotos dela. Os dois ficaram recordando e rindo de algumas coisas...
— Ah, como era boa aquela época...
— Ainda pode voltar a ser...
— Não... Num pode... Hoje somos pessoas diferentes, temos realidades diferentes, responsabilidades diferentes...
— Por essas razões hoje seria melhor...
— Não quero discutir sobre isso agora... Me leva pra casa...
— Tá bom...
Pegaram a estrada de volta. Deixou-a em casa pensando... Ela realmente precisava pensar.
Três dias se passaram e ela não ligou, então ele resolveu ir até a casa dela. Do corredor percebeu que a porta estava aberta e que havia um movimento estranho lá dentro, ficou preocupado pensando que era ladrão, mas quando entrou viu que não era. Ela estava sentada no sofá, nervosa, tremendo, chorando, e havia um cara ajoelhado a sua frente pedindo desculpas.
— O que está acontecendo aqui? Quem é você? O que fez com ela?
— Eu juro que não queria fazer isso...
— Isso o que? — falou olhando para o rosto dela que estava vazio, sem expressão.
— ‘Pera aê! Quem é você?
— Sou amigo dela, e você?
O cara olhou pra ela e deu com os ombros, disse que não tinha importância, e disse para ele ir embora que os dois se entendiam.
— Ele não vai embora nada! Senta aqui. — e apontou a cadeira ao lado do sofá — quem vai embora é você! Vai, VAI LOGO!
— Não fica assim... Foi sem querer...
— VÁ EMBORA!!
Depois que o cara saiu, ela chorou mais ainda. Foi quando Eduardo percebeu que os braços dela estavam marcados.
— Ele te bateu?
— Apertou meu braço — disse soluçando.
— E por que ele fez isso?
Entre soluços, lágrimas e palavras ela foi contando:
— Eu tava tentando... Dizer a ele... Ah, foi horrível... Eu disse que... Tava confusa... Não sabia se... Queria real...mente casar... Aí ele começou a apertar... Meu braço... Foi horrível... Ele disse que... Não gostava... Que brincassem... Com ele... Assim... A Letícia tava brincan...do aqui... Eu gritei para ela ir chamar alguém... Ele tava transtor...nado... Nunca o vi assim... Quando percebeu... Que eu estava gritando... Me largou... E começou a pedir desculpas... Aí você chegou...
— Vem cá, vem... Vamos colocar gelo no braço... Ele fez mais alguma coisa com você?
— Não...
— Então menos mal... Eu jamais faria um negócio desses com mulher nenhuma... Que cara mais covarde!
— É, eu sei... Ai!
— Calma, tem que por gelo...
— Obrigada...
— Que isso, estou aqui para isso...
Ele ficou a tarde toda, ela chorou mais de uma hora, até que dormiu. Para não acordá-la acabou ficando a noite toda também. No outro dia eles acordaram praticamente ao mesmo tempo. Ele sorriu e desejou:
— Bom dia!
— Humm...
— Dormiu bem?
— Hum rum...
— Tá melhor?
— Hum um...
— Por que você não fala?
— Bafo...
Os dois caíram na risada, e pra mostrar que não se importava com isso, a beijou.
— O que você tá fazendo aqui?
— Eba, sinal de evolução!
— O que?
— Você não reclamou porque te beijei...
— Besta!
— Passei a noite aqui... Tava preocupado com você... E ele podia voltar pra lhe maltratar...
— Ih... A noite toda aqui acordado?
— Toda não... Eu dormi também né?
— Ah, tá...
— E os braços, como estão?
— Doloridos...
— Ah se eu pego esse cara...
— Faz nada com ele...
— Ah, mas eu vou dizer a ele que ele fazendo isso acabou te perdendo totalmente... E agora a área é só minha!
— Aff, bobo...


Nisso eu acordei e tu num tava aqui, nem eu estava tão velha quanto no sonho, nem me chamava Laura, nem você Eduardo... Mas nossos filhos eram uns anjinhos, lindos, calminhos... Pena que era só um sonho... E sonho contado não se realiza, né?


Suzana Ferreira
Abril, 2002

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