26.9.02

Armas nucleares do Iraque não são a verdadeira ameaça

Michael Levi
The New York Times


O presidente George W. Bush sabiamente alerta contra os perigos representados por um Iraque dotado de armas nucleares, mas ele não está engajado com o mesmo rigor em outros esforços que poderiam reduzir a difusão das armas nucleares.

O potencial nuclear de Saddam Hussein foi repetidamente mencionado pelo governo dos Estados Unidos como o motivo inegável pelo qual o povo norte-americano deveria oferecer seu apoio a uma invasão do Iraque. No entanto, nossa posição é bastante perigosa: se removermos a ameaça representada por Hussein e mantivermos inalterado o restante de nossa política de combate à proliferação, estaremos obtendo uma melhora apenas marginal de nossa segurança contra o terror nuclear.

Para que uma invasão do Iraque realmente valha a pena, é urgentemente necessário um novo investimento em segurança nuclear. Como Donald Rumsfeld recentemente argumentou em contexto diferente, deveríamos "ligar os pontos" antes que uma tragédia aconteça, e não depois.

Os mais importantes cientistas nucleares e muitos especialistas na comunidade de inteligência concordam que Hussein ainda precisa de vários anos para produzir o urânio altamente enriquecido necessário em uma bomba nuclear. Assim, quando o vice-presidente Dick Cheney adverte que o Irã poderia obter armas nucleares rapidamente, ele só pode estar se referindo a uma coisa: a possibilidade de que o Iraque obtenha o essencial material físsil de que precisa no exterior, por meio de roubo ou no mercado negro.

Quanta segurança podemos adquirir se simplesmente removermos um dos potenciais clientes dessa oferta? Certamente o potencial nuclear de Hussein é maior do que o representado por terroristas que trabalhem sem apoio de nenhum Estado: relatórios de inteligência sugerem que o Iraque dispõe da tecnologia de implosão necessária a produzir uma bomba com 20 quilos de urânio enriquecido. A Al Qaeda, por exemplo, provavelmente não dispõe dessa tecnologia, e precisaria de quantidade de urânio três vezes maior para uma bomba simples, semelhante à usada em Hiroshima, o único tipo que a organização seria capaz de produzir. Outras fontes indicam que o Iraque poderia produzir uma bomba de plutônio, enquanto grupos terroristas como a Al Qaeda provavelmente não seriam capazes disso. Por isso, o Iraque representa uma ameaça especial.

Isso posto, o nosso atual esforço, concentrado estreitamente no Iraque, é penosamente inadequado para a redução da ameaça nuclear. O mesmo urânio que o Iraque busca no exterior pode ser adquirido por terroristas e convertido em bombas. Um grupo terrorista como a Al Qaeda, se obtivesse uma arma nuclear, provavelmente representaria uma maior probabilidade de uso da arma do que o Iraque.

E no entanto, as nossas responsabilidades quanto à garantia dos materiais nucleares estão sendo ignoradas. Um mês atrás, Ted Turner e a Iniciativa contra a Ameaça Nuclear tiveram de contribuir com US$ 5 milhões para evacuar urânio suficiente para duas bombas em Belgrado. Os republicanos da Câmara dos Deputados estão pressionando por uma cláusula, no projeto de lei de defesa do ano que vem, que impediria que o presidente gastasse dinheiro no combate à proliferação fora da ex-União Soviética.

Mais de um ano atrás, uma comissão bipartidária presidida por Howard H. Baker Jr. e Lloyd N. Cutler instou que gastássemos US$ 30 bilhões ao longo dos próximos 10 anos para garantir materiais nucleares na Rússia. Ao nosso ritmo atual de gasto de US$ 1,1 bilhão ao ano, não atingiremos esse objetivo.

A despeito das verbas inadequadas, nossos programas obtiveram muito sucesso. Garantimos que urânio suficiente para produzir milhares de bombas fosse protegido, e impedimos que numerosos cientistas nucleares da Rússia fossem trabalhar para Estados renegados.

Um novo investimento no combate à proliferação ajudaria a convencer um mundo cético de que levamos a sério a proliferação nuclear, e que nossa obsessão com o Iraque envolve armas de destruição em massa, e não política doméstica, petróleo ou vingança. E gastar mais US$ 1 bilhão anual no combate à proliferação representaria uma fração ínfima do custo de uma nova guerra contra o Iraque,

Se o terrorismo nuclear atingir os Estados Unidos, consolará que saibamos que a bomba não foi produzida a mando de Saddam Hussein?

Michael Levi dirige o Projeto de Segurança Estratégica da Federação dos Cientistas Norte-Americanos, em Washington.

Tradução: Paulo Migliacci

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