7.8.02

06/08/2002 - ECONOMIA - BRASIL

Sinais inconfundíveis de um pacote de dólares


A Argentina foi tratada pelo NYT como um país, não como um problema. O pequenino Uruguai ganha títulos na imprensa estrangeira. E o Brasil deixou de ser visto como um gigante parvo, a tropeçar nas próprias eleições


Quando um dos jornais mais importantes do mundo, o New York Times, decide, em editorial, cobrar do governo Bush e do FMI ajuda financeira "imediata" ao Brasil e mesmo ajuda à esquecida Argentina é sinal de que a política republicana para países emergentes ? o famoso "deixa quebrar" ? perdeu o prazo de validade. Está esgotada a paciência da opinião pública internacional com crises financeiras na América do Sul e por uma simples razão: elas só agravam a crise que hoje está instalada dos países ricos, a começar dos Estados Unidos.
Nesse contexto, até a Argentina ganha importância, e seu presidente, Eduardo Duhalde, de fraca liderança e administrador da massa falida de uma fatia do Cone Sul, torna-se, num passe de mágica, um sujeito esforçado, que caminha no sentido de tranqüilizar credores. O pequenino Uruguai também ganha destaque no noticiário. E o Brasil passa a ser visto como um parceiro de fato, e não apenas como um gigante parvo, a tropeçar nas próprias eleiçõies. Um excelente lugar para investimentos, disse o secretário do Tesouro, Paul O'Neill.
Vem aí um pacote de dólares, ninguém mais tem dúvidas. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, está tão convicto que resolveu sair a público para dar um paternal pito no mercado, apressadinho demais para seu gosto. Não tivesse nada na manga e sumiria da imprensa, para evitar o estrago da falta de notícias. Mas apareceu, para informar que o apoio internacional inclui recursos. Armínio Fraga deu em usar adjetivos. Falou em "bom acordo". O secretário de Relações Internacionais da Fazenda, Marcos Caramuru, disse que antes de 24 horas não haverá nenhum anúncio. Unindo-se os pontos: há dinheiro, um "bom" dinheiro, e o anúncio sai na quinta. Por isso o dólar caiu, os juros no mercado futuro recuaram, a taxa de risco melhorou um pouco.
O Brasil tornou-se importante porque o império vai mal, à beira de uma nova recessão. O Brasil vai ganhar dólares ? entre US$ 50 e R$ 70 bilhões, segundo apurou Primeira Leitura. Uma parte menor será usada neste ano. A maior fatia fica para 2003, para um novo governo, que terá de se comprometer com metas de ajuste fiscal, de inflação... Uma lista de rigores será apresentada, de modo a dar sobrevida à atual política econômica.
O futuro presidente ganhará, antes da caneta, uma relação do que deve e do que não deve assinar. Tudo para manter a crise financeira controlada, não para resolvê-la.
O ano de 2003, leitor, será difícil. Mas o dinheiro serve para que o Brasil não quebre, o que tornaria 2003, sem dúvida, o ano mais duro da história, com riscos de quebra da institucionalidade, do precário equilíbrio social. Uma encruzilhada foi posta diante dos candidatos e diante dos brasileiros: ou o FMI ou a argentinização. Será o custo da transição para um novo modelo, que começará a ser desenhado no ano que vem (espera-se!), a depender do escolhido nas urnas. O modelo de Malan acabou. Para chegar a outro, os brasileiros pagarão um preço elevado.
Uma vez combinado o preço, deve haver quem já se pergunte se o mercado vai serenar, para que todos possam tocar a vida sem sustos no preço da gasolina, do pão, do óleo de soja..., sem a certeza de cortes de funcionários na empresa em que trabalham, sem se preocupar nem remotamente com a caderneta de poupança ou fundo de investimento. É cedo para tal avaliação. A aversão a riscos é fragrante mundo afora. O Brasil depende de investimento estrangeiro para fechar suas contas e o crédito secou. Assim, dólares do FMI precisam ser suficientes para dar conta do atual déficit em conta corrente do Brasil e do futuro. De quantos bilhões o Brasil vai precisar para fechar suas contas no ano que vem? Isso vai depender do cenário externo, em primeiro lugar. Em segundo, do novo governo brasileiro, que pode botar os pés pelas mãos em reformas como a tributária e a da Previdência (veja nesta edição uma análise preocupante sobre a proposta de Ciro Gomes, do PPS, para a seguridade social), e na administração de outras contas públicas.
Em resumo, nenhum cenário pode ser dado como certo neste momento. Crises cambiais são processos tão severos que, por isso, Primeira Leitura insiste tanto que é preciso cuidar primeiro do urgente (a crise) e depois do importante (emprego, renda, crescimento). Por isso defende um acordo o mais abrangente possível para o FMI, mesmo sabendo o quanto custam as contrapartidas. Por isso cobra dos candidatos co-responsabilidade nesta crise, ainda que todos, mesmo o governista, estejam pessoalmente isentos da culpa sobre essa crise, nascida e criada no superpoderoso Ministério da Fazenda, e não no Ministério da Saúde ou nas prefeituras e governos estaduais do PT.
Com sorte, o mercado vai dar uma nova trégua nesta semana. O Banco Central, corretamente, vai tirar o máximo de proveito dessa trégua, na difícil missão de conduzir o Brasil inteiro até as eleições.
[Primeira Leitura]

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