30.1.02

Notícias da Vizinhança:

Desempregados argentinos marcham 15 quilômetros para exigir trabalho
BUENOS AIRES - O governo argentino foi sacudido ontem pelo segundo protesto popular em menos de três dias, a Marcha dos Desocupados. Cerca de 15 mil desempregados e sindicalistas percorreram 30 quilômetros desde La Matanza, no interior da Província de Buenos Aires, para se concentraram diante da Casa Rosada. Ali, pediram o cumprimento da promessa de criação de um milhão de postos de trabalho, o aumento do salário mínimo e a distribuição de alimentos.
A 50 metros dessa concentração, o Ministério da Economia confirmou o anúncio do pacote econômico para o próximo sábado - depois da revisão por Claudio Loser, diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Hemisfério Ocidental, que desembarca hoje no país.
Ao longo do dia, o governo tentou amortecer o impacto da marcha e de suas demandas. O presidente Eduardo Duhalde comprometeu-se a receber seus líderes amanhã, mas os pôs antecipadamente em contato com autoridades dos ministérios do Trabalho e do Interior.
Pela manhã, Duhalde preferiu manter o encontro já marcado com Hugo Moyano, o presidente da ala dissidente da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) - o braço sindical do peronismo. Moyano saiu da reunião declarando que dará tempo ao governo e o apoiará, se forem adotadas as medidas corretas. Sem incidentes até o fechamento desta edição, a marcha trouxe à Praça de Maio demandas econômicas e sociais diferentes das apresentadas pela classe média de Buenos Aires nos seus panelaços.
As queixas se concentraram na taxa de desemprego, estimada em 20%, e no aumento da pobreza, e não diretamente nos depósitos presos no "corralito". Ao longo do trajeto, centenas de moradores dos bairros mais pobres da Grande Buenos Aires foram se incorporando à passeata. A forma de expressão também foi distinta. Prevaleceram os bumbos e os discursos, que são os alardes típicos do sindicalismo argentino, em vez do som agudo do alumínio. Dos panelaços, foi resgatado apenas o refrão "Que vá todo mundo embora, que não fique nem um só".
"Estamos fartos de nos pedirem tempo. Todos os governos pedem o mesmo. Todos os que estão hoje no governo tiveram poder no país antes e agora falam como se tivessem vindo da lua. Pedem ao povo que aperte os cintos e não aos que se beneficiam desta política econômica", afirmou Juan Carlos Alderete, um dos líderes da Corrente Classista Combativa (CCC).

Equipe econômica fecha novo pacote
A marcha dos desempregados argentinos, de ontem, alcançou a Praça de Maio em um momento delicado para o governo argentino. Em Buenos Aires, a equipe do ministro da Economia, Jorge Remes Lenicov, trabalha a toque de caixa na conclusão do projeto de Orçamento para este ano, uma peça que vai expor o programa de ajuste fiscal e depende de um apoio mais consistente dos governadores na próxima quinta-feira.
Também tenta fechar antes de sábado o seu plano econômico, que envolverá a redução do prazo de três anos para a liberação de todo o dinheiro preso no "corralito", a pesificação total da economia, a reestruturação do sistema financeiro e a flutuação do câmbio.
Porém, a mesma equipe mostra-se consciente de que a execução desse mesmo plano dependerá do pacote de socorro que o Fundo Monetário Internacional (FMI), outros organismos internacionais e os países mais ricos possam destinar à Argentina.
Em Washington, o ministro argentino, Carlos Ruckauf, tentará obter algum gesto favorável do secretário americano do Tesouro, Paul O'Neill, com relação ao apoio político dos Estados Unidos a um acordo entre o FMI e a Argentina. A equipe econômica, entretanto, ainda não demonstra clareza sobre as medidas que pretende incluir no plano.
Ontem, em entrevista a uma rádio local, o secretário da Fazenda, Oscar Lamberto, afirmou que o governo deverá emitir um bônus, em pesos, que será entregue aos bancos, como forma de garantir uma liberação mais volumosa dos recursos do "corralito". Por meio de outra rádio, o vice-ministro da Economia, Jorge Todesca, declarava que esta medida não estava em estudos. A alternativa em estudo, segundo Todesca, seria a emissão de bônus para cobrir o prejuízo que os bancos vão acumular com a conversão de depósitos e de créditos para pesos conforme taxas de câmbio diferentes.

UE está confiante na recuperação argentina
BRUXELAS - A União Européia expressou confiança na capacidade do presidente argentino, Eduardo Duhalde, para tirar seu país da crise econômica que tem causado severas inquietações sociais. Os ministros de Relações Exteriores da UE disseram que manterão as negociações que levarão a um acordo comercial com o Mercosul, que deve ser assinado em maio durante a Cúpula da UE-América Latina, em Madri.
"A conclusão das negociações até o início da conferência de Madri é um objetivo ambicioso, mas possível," disse o comissário de Relações Exteriores da UE, Chris Patten, em entrevista com o ministro de Relações Exteriores da Espanha, Josep Pique.
Por sua vez, o ministro disse que a União Européia tem confiança de que Duhalde apresentará um plano que, além de obter apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da UE, vai fortalecer a posição da Argentina e do Mercosul como um todo. Os ministros de Relações Exteriores da UE disseram também que "um Mercosul fortalecido será a chave para o desenvolvimento da região".

Duhalde está começando a falar com mais sensatez
O governo argentino está "finalmente" começando a cair na realidade, segundo editorial publicado hoje pelo "Financial Times", o jornal econômico mais importante da Europa. O editorial afirma que o presidente Eduardo Duhalde começou muito mal seu governo, ao fazer promessas que não poderia cumprir a diversos setores da sociedade. Esta iniciativa, diz o jornal, só desgastou a imagem do presidente.
"O governo falava como se grandes parcelas da sociedade argentina pudessem escapar virtualmente ilesos dos escombros, às custas basicamente dos investidores estrangeiros. Esta estratégia estava condenada." No entanto, o governo estaria nestes últimos dias falando com mais "sensatez", admitindo que a situação é gravíssima e que toda a sociedade vai ter que pagar a conta da desvalorização cambial.
O diário lembra ao governo que a única saída para a Argentina passa por investimento interno e apoio de organismos financeiros internacionais. Por isso, diz o jornal, o país não pode simplesmente prejudicar empresas do países que o apóiam, como a Espanha.
A recuperação argentina, diz o "Financial Times", deve ser encabeçada pelas exportações, com crescimento apoiado em políticas fiscais e monetárias ajustadas. "O governo não pode ser populista em casa e ortodoxo fora. (Os argentinos) Devem apresentar um plano coerente com uma só voz. Só então poderá oferecer esperança genuína ao público, e não meras ilusões. E só então merecerá o apoio externo que necessita."

Consultoria vê efeito tango na AL
A crise argentina pode se espalhar por toda a América Latina se o governo não souber manejar adequadamente a desvalorização do peso. A advertência foi feita ontem por uma das mais respeitadas consultorias do país, a Fundação Capital.

O efeito "tango" será sentido principalmente pelos parceiros do Mercosul (Brasil, Paraguai e Uruguai). "É fundamental que a diferença entre o câmbio oficial (de US$ 1 por 1,40 peso) e o livre na Argentina seja pequena."

Para a Fundação Capital, a evolução do valor do real diante do dólar passou a estar relacionada com a oscilação do peso. "A continuidade ou não da desvalorização do peso depende da confiança no plano econômico a ser anunciado nos próximos dias e da ajuda financeira internacional que o governo Duhalde venha a conseguir."

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